quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Aberta a chave para a pirataria em alta definição

Por Pedro Doria

Na semana passada, uma chave-mestra para o protocolo HDCP vazou na internet. É o fim da proteção anti-pirataria de discos Blu-ray e mais um capítulo na disputa pelos direitos autorais no tempo da informação digital.

HDCP é uma tecnologia um bocado complicada. Desenvolvida pela Intel nos anos 1990, seu objetivo é muito maior do que impedir cópias de discos. É uma solução completa para impedir cópias de vídeo digital de alta resolução. Todo aparelho que usa cabos HDMI – o console de videogame, a caixa da TV a cabo HD, a Apple TV, os players Blu-ray, etc.– tem HDCP.

Funciona assim: cada aparelho sai da fábrica com sua própria chave, um longo código de números. Quando o player Blu-ray é conectado ao aparelho de TV através de um cabo DVI ou sua versão mais moderna, HDMI, as duas máquinas comparam suas chaves para produzir um terceiro código. O sinal de vídeo transmitido do player para a TV é, então, embaralhado, encriptado por este último código, tornado impossível de ser exibido por qualquer outro aparelho que não aqueles dois.

É assim que se impede a presença de um gravador entre a TV e o player. Como a operação é complexa, demora um tempo para decodificar o sinal de vídeo, coisa que contribui para o delay na TV digital de alta resolução. (Quem vê futebol em HD bem sabe quão irritante é ouvir o vizinho gritar gol quando, na sua tela, o artilheiro ainda mal cruzou o meio campo.)

O esquema de proteção vai além. Se por um acaso um determinado aparelho é comprometido – se o seu código secreto vaza – ele pode ser de certa forma cancelado. Todo novo disco Blu-ray vem abastecido de uma lista de chaves bloqueadas. Ele não tocará nos aparelhos daquela determinada série porque uma unidade foi desbloqueada em algum canto do mundo.

O consumidor honesto que compra seus filmes ou paga caro por TV a cabo HD não ganha nada com HDCP. Pelo contrário: perde com o delay do futebol, com a possibilidade de sua TV não funcionar mais, de uma hora para a outra, com os filmes mais novos. (E ele nem imagina o porquê.)

O que a chave-mestra tornada pública faz é muito simples: torna inoperante a lista de aparelhos revogados. Em termos práticos, ficou fácil construir um aparelho que faça cópias do vídeo ligado através de cabos HDMI.

Não será uma atividade simples para amadores, mas copiar o filme alugado tornou-se fácil para qualquer adolescente com espírito um quê mais aventureiro. E, assim, as redes de troca da internet serão infestadas de cópias HD de quaisquer lançamentos.

Não é a primeira vez que algo do tipo acontece. Em 1999, um jovem programador norueguês chamado Jon Lech Johansen de apenas 16 anos quebrou o sistema CSS, que protegia os DVDs. Lançou na rede o primeiro programa para copiar filmes. E sua vida tornou-se um inferno, com a polícia invadindo sua casa e anos de processos na Justiça. No fim, o governo acabou desistindo de levá-lo à cadeia.

Após a quebra do CSS, a indústria do cinema viu na chegada da alta definição uma saída para encontrar outra solução. Era o momento em que consumidores teriam de trocar todo seu equipamento em casa e, portanto, uma oportunidade para usar mais que software, um sistema fechado que protegia no nível do hardware. Foi como surgiu o HDCP que agora cai por terra.

A Intel, ao reconhecer que a chave-mestra de fato funciona, anunciou que processará todos os que tentarem usá-la. É uma ameaça que terão dificuldades de cumprir.

Não será a última vez que a indústria tenta criar um processo para impedir cópias da informação digital. Tampouco será a última em que, após um tempo, uma maneira de driblar o processo acaba surgindo. Desta vez, no entanto, o investimento em maquinário e tecnologia foi grande.

A indústria se protegeu por alguns anos, mas rodou justamente no momento em que vídeo em alta definição começa a se tornar popular.

REPORTAGEM PUBLICADA NO ESTADÃO

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