segunda-feira, 14 de junho de 2010

Jorge Mautner e Caetano Veloso – 2002 Eu Não Peço Desculpa

Em entrevistas conjuntas e no palco, a parceria entre Caetano Veloso e Jorge Mautner guarda contrastes quase constrangedores, de uma dinâmica "primo rico/primo pobre" entre os dois luminares. Caetano de um lado, verborrágico, conclamando o povo a enxergar a grandeza de Mautner (e, por que não, a grandeza dele mesmo, Caetano, o primeiro a enxergar a importância do outro?). Mautner, no seu canto, quieto, modesto, envergonhado até, pela eloqüência espalhafatosa do parceiro. Eu Não Peço Desculpa, o disco, é outra história. No estúdio, anulou-se o descompasso da parceria e a simbiose fez-se benéfica para ambos os artistas. Para Caetano, o álbum representa uma bem-vinda descida à terra tanto sonora quanto poética, depois de uma sucessão de projetos complexos e conceituais (Livro, Noites do Norte) e discos ao vivo correlatos e ainda mais ambiciosos. Para Mautner, e mais ainda, para seus seletos admiradores, é uma chance rara de expor sua musicalidade, tão rica e tão pouco ouvida, num confronto dos mais proveitosos com a cerebralidade de Caetano. Ambos se beneficiam da co-produção do Kassin, que dá ares econômicos e levemente eletronizados ao disco. Talvez o formato escolhido e a descontração da gravação (feita num estúdio caseiro no Rio) tenha contaminado o disco com uma disposição leve, brejeira, jocosa até. Funciona, e muito bem.
O resultado é um disco que passeia por várias praias sonoras, num vôo despretensioso mas repleto de segundas intenções e ironias. As letras são brincalhonas, escrachadas até, mas falando sutilmente de assuntos muito sérios (cheque Doidão ou Tarado). A liberdade lúdica é maior ainda em relação ao espectro sonoro. Do pseudobrega de Tudo Errado aos trique-triques eletrônicos de Manjar dos Reis, tudo soa com um frescor (opa!) ausente há tempos da obra do baiano. Nem tudo é brincadeira. Lágrimas Negras, na voz de Caetano, ganha um tratamento sóbrio e delicado. E há um certo tom pesado na releitura de Cajuína, com Mautner, repleta de tons orientalizantes. Mas o que sobressai mesmo são os gracejos - bobíssimos e justificados - do pop farofento de O Namorado à palhaçada explícita de Tarado. E também nas boas viagens sonoras, como o ar renovado concedido a Maracatu Atômico (com tambores baianos, e não pernambucanos) ou a experimentação pós-tropicalista (ao menos na alma) de Feitiço.
(Marco Antonio Barbosa)

01 Todo errado
02 Feitiço
03 Manjar de reis
04 Tarado
05 Maracatu atômico
06 O namorado
07 Coisa assassina
08 Homem bomba
09 Lágrimas negras
10 Morre-se assim
11 Graça divina
12 Cajuína
13 Voa, voa perereca
14 Hino do carnaval brasileiro

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